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Nascida em 14 de março de 1914 em Sacramento, uma comunidade rural de Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus era filha de pais analfabetos e começou a frequentar a escola apenas aos 7 anos de idade. Em pouco tempo, aprendeu a ler e escrever e desenvolvei o gosto pela literatura.
Após a morte da mãe, em 1947, mudou-se para São Paulo e passou a habitar a favela do Canindé, zona norte da cidade. Grávida, passou a trabalhar como catadora e registrava seu cotidiano e o da comunidade em cadernos que encontrava no lixo e apesar do pouco grau de instrução, Carolina reuniu mais de vinte cadernos com testemunhos sobre o cotidiano da favela. Um desses diários foi o ponto de partida para o seu primeiro livro “Quarto de despejo -- Diário de uma favelada”, publicado em 1960, após ter sido descoberta pelo jornalista Audálio Dantas. O lançamento do livro rendeu 100 mil exemplares vendidos, somando as três edições e a tradução para 13 idiomas que circularam em mais de 40 países.
Depois do sucesso de seu primeiro livro, a autora se mudou para Santana, bairro de classe média, e três anos mais tarde publica o romance “Pedaços de fome” e “Provérbios”. Em 1969, sai de Santana para o extremo da zona sul da capital, Parelheiros, região de intenso contraste entre classes e com ares de interior, o que lhe remetia a sua infância interiorana.
Com três filhos, a escritora morreu em fevereiro de 1977, aos 62 anos, de insuficiência respiratória. Após sua morte, foram publicadas as obras “Diário de Bitita, com recordações da infância e da juventude”; “Um Brasil para brasileiros”; “Meu estranho diário”; e “Antologia pessoal”, compiladas a partir dos registros nos cadernos e materiais deixados por Carolina. Em 2017, quatro décadas após a sua morte, foi lançada uma biografia detalhada sobre a escritora, “Carolina – Uma biografia”

Carolina Maria de Jesus assinando seu livro Quarto de Despejo em 1960
A escrita da realidade
“Negra, semialfabetizada, sem profissão definida, mãe solo de três filhos pequenos – e, acima de tudo, falante e destemida”, é assim que o biógrafo da escritora, Tom Farias, descreve o contexto que Carolina se inseria. Segundo o autor, ela estava determinada a vencer na vida pela escrita e pela literatura, e isso à época era sinônimo de desafiar embargos, preconceitos e adversidades raciais e de gênero.
Essa força e talento para a escrita também foi motivo de admiração de Audálio Dantas, o jornalista que descobriu a autora em 1958. O encontro ocorreu quando Dantas foi à comunidade para fazer uma reportagem sobre a favela do Canindé, e justamente na ocasião Carolina procurava alguém para mostrar o seu trabalho. Os cadernos continham contos, poesias e romances, mas o jornalista se deteve apenas em um diário. Parte do material foi publicado em 1958 em uma edição do grupo Folha de S. Paulo e na revista O Cruzeiro, no ano seguinte. Após a repercussão, a Editora Francisco Alves mostrou interesse em publicar o que seria “O quarto de despejo”.
Audálio conta que o material não precisou de correção, foram selecionados os trechos mais significativos e o texto foi mantido exatamente no estilo de sintaxe e ortografia da autora. Nas descrições, estão fatos comuns do cotidiano, como acordar, buscar água, fazer café. A fome também é uma das temáticas do livro, quando discorre sobre um momento em que passa fome. Outra passagem marcante é a história de um menino que morre ao comer um pedaço de carne estragada que encontrara no lixão perto da favela.
Para Audálio, a escritora foi consumida como um produto que despertava curiosidade, especialmente da classe média. Além disso, a desconfiança de alguns críticos fez com que considerassem a obra uma fraude, cujo texto teria sido escrito pelo jornalista. Para ele, a condição social de Carolina era motivo de questionamento, além também do fato de ser uma mulher negra, pobre, moradora da periferia e mãe solo. Contudo, apesar das difamações, Carolina Maria de Jesus mostrou ser uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil.
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